Alô... alô... aqui, Salão da "carrasca"
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Aceitando um convite para um café, logo na conversa à mesa surgiram mil e uma lembranças, não que tivéssemos forçado a memória, mas sim porque logo ali, palavra após palavra, foram surgindo as mais divertidas situações, como se estivéssemos num regresso ao passado.
Tudo vem a propósito dos programas de "discos pedidos" de então, e a brincadeira surgida ali pelos anos sessenta do século passado.
"Alô... Alô... aqui Salão da Carrasca"
Era mais ao menos sobre o mote desta frase que começava a reunião de meia dúzia de amigos, ali no "apeadeiro", num bairro que ainda existe (apesar de modificado) e que se não me falha a memória, seria pertença do António "Gil" ou família, paredes meias com o talho do Júlio Graça, um dos maiores e mais fornecidos talhos da região, que nos ficava mesmo à mão ali a cem metros da estação de Pataias Gare, a caminho dos Pisões.
Ora, ao fundo do bairro existia um anexo de arrumos, onde era guardada a lenha, as pinhocas e outros bens essenciais às famílias que ali viviam, era nesse pequeno recanto que esta malta se acomodava em serões bem animados.
A frase ainda hoje ecoa nos meus ouvidos, "Alô... Alô... aqui Salão da Carrasca".
Recordo bem esses amigos, a maioria já falecidos, grupo do qual fez parte o meu irmão António, cujo parantesco me dava uma liberdade para assistir meio escondido.
Tudo o que produzisse som, era característico usar; um par de pinhocas bem abertas, uma lata e um pau, um pente envolto em papel vegetal (que dava um som do caraças) e de quando em vez uma sanfona, também conhecida entre a malta como gaita de beiços.
Um gravador de bobines adquirido através do Xico Gil, por alguém que não recordo, fazia as delícias do pessoal, através do qual podíamos ouvir as gravações que eram feitas.
E era assim, no deambular de cantigas quase ao desafio, que os serões de então eram passados, onde uma alegria constante e que de modo gratuito contagiava os jovens até à chegada da idade de ida à tropa.
Lembro-me tão bem de alguns que já não estão entre nós, e que a minha proximidade com eles me permite recordar de modo particular: o Fernando Ribeiro, o Olavo Maurício, o Jacob, o meu irmão António e outros que amiúde por ali andavam.
Uma chouriça, um copo e uma sanfonada e tinha-se música e cantorias até à hora de deitar (bem mais cedo que os dias de hoje).
Num tempo em que não havia telemóveis, computadores, net e em que até a televisão não era muito comum, só o rádio fazia companhia em alguns lares, onde as famílias se reuniam após a janta, e se ouviam os discos pedidos, que a par dos Parodiantes de Lisboa eram os que mais gente juntava ao seu redor. Mas outros momentos idênticos aconteciam.
Pataias Gare foi pródiga em encontros de jovens, onde era habitual juntarem-se perto do ringue aos domingos, e por ali havia música, tocada a gira discos, através dos saudosos LPs e Eps de vinil grosseirão.
Os rapazes sempre todos janotas, bem penteados e com as suas bicicletas luzidias, e as raparigas de vestidos floridos, na maior das ousadias ao nível do joelho.
Palavras para quê? Fechem os olhos, e pode ser que consigam ouvir:
"Alô... Alô... aqui Salão da Carrasca"
(Texto próprio, escrito à margem do novo acordo ortográfico)