Eterna meninice...
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Há uns
dias, fui por aí em reconhecimento de lugares e memórias, que em tempos nos
fizeram vibrar e exaltar de alegria enquanto miúdos, em brincadeiras que hoje
não se fazem mais e que tanto tinham de sadias.
O extenso vale que se iniciava nos Olhos de água e que hoje só é visível a sul da Cibra passando pelo Ribeiro Seco em direcção à praia fluvial de Alpedriz, era para nós assiduamente, zona de ocupação dos tempos livres. O rio e os moinhos, assim como as suas represas, eram a principal atracção, por ali onde se podiam contemplar grandes milheirais, complementados pelas sementeiras de outras espécies.
A fresquidão que o rio e as culturas nos proporcionavam, eram mais que razões a umas fugazes brincadeiras, onde armar aos pássaros (me perdoem os seus defensores) era parte integrante das incursões que por ali fazíamos, ou uma ida às enguias abundantes nos túneis sob as estradas.
Os grandes milheirais forneciam os lagartos, que serviam de isco, os quais cuidadosamente colocavamos nas costelas, cujas molas mantinham a força suficiente para obter o resultado pretendido. Ao longo do rio, as valas de irrigação dos campos, formavam óptimos bebedouros, onde a passarada ia refrescar-se, traduzindo-se no local preferido para fazer uma espera.
No aperto do calor, e para passar o tempo, davam-se umas banhocas em "pelico" nas várias represas existentes junto aos moinhos (lembro-me de uns seis), em momentos de total descontração, que uma vez tivemos de regressar a casa de mãos a abanar, sem pardais, sem costelas e sem roupa.
Os pomares que existiam perto da conhecida "Viúva de Santiago" forneciam a merenda através da boa fruta, e lá mais para setembro, as uvas que a nosso jeito, contribuíamos para uma vindima antecipada. Mas quando aquela figura de preto vestida até aos pés, nos aparecia à frente, ou ouvíamos um tiro disparado para o ar como forma de intimidação, corríamos desalmadamente, e de tal forma que até os calcanhares batiam no rabiosque.
À época, os pinhais eram tão altos, cerrados, sombrios, escuros, que metiam medo. A aproximação à quinta era tenebrosa e feita em silêncio. O que nos diziam dela assemelhava-se à lenda do gigante Adamastor.
Ainda hoje tenho uma dúvida, sobre uma "partida", que um dia me terão pregado. Quando, na inocência dos meus seis, sete anos, acompanhei o grupo às enguias, e após boa pescaria, seguimos até casa de um dos comparsas mais crescido destas brincadeiras, onde eram preparadas, e ali saciavámos a fome, atacando-a esta com tal pitéu.
Ora, constou-se mais tarde, que a iniciação a estas lides, tinha por base um ritual, em que algumas enguias eram substituídas por pequenas cobras de água, que depois de arranjadas eram dificeis de distinguir.
A verdade?... Essa eu nunca cheguei a confirmar, mas acho que também eu fui enganado. Certo é que vários terão caído na esparrela do engano... Ou talvez não... Mas, se assim aconteceu, mal não fez, e não me recordo de qualquer dor de barriga que fosse provocada por tal.
De vez em quando, ainda vou passando por esses lugares em caminhada.
Hoje, o vale apresenta-se quase na totalidade abandonado à sua sorte. As culturas não existem e em seu lugar abundam as silvas e os canaviais. O curso do rio e as ruínas da maioria dos moinhos encontram-se escondidas entre esse emaranhado, que mais parece uma miniselva. Ali ao lado havia outro pequeno vale adjacente, conhecido como ribeiro da avenca, que hoje praticamente não existe, já sendo difícil localizá-lo.
É assim, o tempo vai correndo a passos largos, e a nós, restam-nos as memórias com as quais vamos completando a nossa vida.
Faça uma busca no seu interior e vai ver que a sua
vida também está recheada de boas recordações.
(texto próprio escrito à margem do novo acordo ortográfico)